quinta-feira, 17 de novembro de 2011

"Turistando" no Japão


Durante os 20 dias, que eu aventurei na terra dos meus antepassados, procurei fotografar locais - construções, acessórios, espaços e etc - que facilitam a rotina dos especiais.

Banheiro do Hotel Toyoko Inn, em Yokohama 
Vaso sanitário para cadeirantes


No metrô de Tokyo - a senhora da imagem utiliza o telefone público (orelhão) adaptado para cadeirantes.

   


No centro de Naha, calçada com pista para cegos.

Cadeiras de roda em uma das prefeituras de Okinawa.

Mesmo local da imagem anterior, fotografado de outro ângulo.

Tokyo Tower

Idosos contemplando a vista, no interior do Tokyo Tower.
Funcionários do asilo transportando os idosos.

sábado, 27 de agosto de 2011

Campeonato de Paciência


Terumi Oshiro  
    
       Sábado de manhã, por volta das 8h:45min, Marcelo Rodrigues estaciona o Monza verde, em uma das vagas do pátio do Clube Santa Mônica, mais exatamente, em frente a entrada da “linha de tiro prático”. Como se fosse uma jogada de equipe, já ensaiada, Marcelo corre em direção à pista de tiro. Para cumprir o acordo que assumira, anteriormente, com Rodrigo Vianna, de ser seu “municiador ou staf” (assistente do atleta, responsável pela troca de alvos e munição, durante a competição).
       Rodrigo, que é atleta de tiro esportivo, explica que nos campeonatos, somente os atletas da modalidade SH2 - tetraplégicos, ou com um dos braços amputados -, que possuem falta de coordenação motora, ou não tem força, em um dos membros superiores, contam com o apoio dos municiadores.

Marcelo na função de municiador
 
       Enquanto, Marcelo acompanha Rodrigo, no estacionamento do clube, o restante da família termina de se preparar para a competição. Antes de descer do carro, observo Edna Pinto (esposa de Marcelo) correndo em direção ao porta-malas, para apanhar a cadeira de rodas do filho, que estava sentado no banco de trás do veículo.
        A transição de Vitor Klitzke, de 17 anos, (enteado de Marcelo, e personagem da crônica anterior) do automóvel para a cadeira acontece rapidamente - que eu de frente à porta do motorista, quase não consigo acompanhar o movimento. De forma, quase automática, o garoto segue em direção ao porta-malas. Com as mãos vasculha o espaço, em busca do uniforme. Enquanto vestia as luvas, Vitor se comunicava com a mãe, que também corria contra o tempo.

“Cadê a arma?”, pergunta o atleta. 
“Já peguei, está aqui comigo. Pega a munição na mala.”, orienta a mãe. 

No uniforme, um detalhe destoa, Vitor usa dois tipos de luvas. Na mão direita, a luva é preta (de dedinhos), típica de esportes radicais. Já na mão esquerda, a luva é branca (de lã), com bolinhas na palma da mão.
Enquanto, círculo pelo clube, para me familiarizar com o ambiente, o adolescente, segue em direção à pista de tiros. Logo na entrada do prédio, ele se depara com uma rampa estreita, que mal comporta a cadeira. No meio da subida, Vitor pára com a intenção de “tomar um ar”, e redirecionar o eixo da cadeira. Nesta hora, decido ajudá-lo. Mas, o garoto recusa, gentilmente: 


Não. Pode deixar! Já estou acostumado.”

        O movimento na porta ao lado, o refeitório da turma, chama a minha atenção. Observo rapidamente, e vejo sob as mesas no centro do salão: algumas caixas de sucos, uma térmica de café, e outra de leite. Além de alguns pedaços de broas caseiras. Entre os que circulavam pelo local, predominava os acompanhantes dos atletas – pais, filhos e cônjuges.


Preparar, apontar...
Entro no espaço reservado as competições. Na primeira sala, à esquerda, conheço a área destinada a modalidade carabina 22. Assim que entro, na pista de tiros, encontro dois atletas deitados no chão, de bruço. A cena  assemelha-se aos cenários de filmes de guerra, onde os soldados se camuflam nas trincheiras. Porém, neste caso, em vez de chão de terra, a pista onde os atletas estavam é emborrachada - pintada na cor verde, e demarcada com listras amarelas – espaço reservado para cada competidor.
Nesta modalidade, a pista de tiro possui 50m, e é dividida em três partes. Sendo que a primeira, é restrita para os atletas dispararem os tiros. O segundo trecho é composto por um gramado (de grama natural). Já na terceira área, é onde fica pendurado os alvos na parede.
Por conta da concentração que o esporte exige e do barulho, o público fica isolado, na parte dos fundos da pista. Em uma espécie de arquibancada, a torcida  acompanha a competição através de um vidro transparente, armado em divisórias, típicas de escritórios e consultórios.

Pista reservada a categoria Carabina Deitada, vista pelo vidro – área destinada ao público 
(by Celina Soares) 
 
Assim que deixo a pista reservada para a modalidade carabina 22 entro na sala usada para a modalidade pistola de ar comprimido. Local, onde estavam competindo, na categoria especial (para-atletas), Vitor, Rodrigo e João Kula. Os três atiradores, dividiam a sala com aproximadamente, sete competidores “padrões” (não portadores de necessidades especiais).

Atiradores, em posição de tiro (by Terumi Oshiro)

Próxima a porta, dou alguns passos, e olhares nervosos em minha direção, denunciam que o barulho do salto incomodava a concentração dos participantes. Assim, mais que depressa, tiro a bota que usava, e começo a transitar descalça, no chão de carpete. Apesar da discrição, evito ficar muito tempo no local. Permaneço, menos de 10 minutos, tempo suficiente para fazer algumas anotações e produzir as fotografias. Infelizmente, a qualidade das imagens foram comprometidas, por conta da baixa iluminação, e a restrição do uso do flash.
Enquanto transito pelo ambiente, que exala adrenalina.  O silêncio predomina no ar. Confesso, que assim que entrei no espaço, a ausência de barulho, é algo que me deixou incomodada. Os únicos ruídos permitidos no local, é a respiração – ora marcada por uma inspiração, mais alta; ora por sinais de irritação (uma pisada, mais forte no chão; murros na parede, e murmurações) Alguns detalhes no desempenho dos atletas, Rodrigo e Vitor, chamam a atenção. 
       Durante o período, que permaneci no local, Rodrigo era o único atleta que disputava na modalidade SH2. Portanto, era o único que contava com um municiador. Outro fator que destaca a participação do atleta, é a postura. Devido a falta de força, no braço direito, durante os tiros, o atleta utiliza uma “mesa” - suporte, acoplada na cadeira de roda, contendo uma mola -, equipamento que o auxilia se posicionar no sentido de ataque. Ou seja, preparar, apontar e disparar "chumbo". 

 Rodrigo com o dedo no gatilho (by Terumi Oshiro)

        Conforme a explicação do entrevistado, por questão de milésimos, o seu processo de disparar tiros, é um pouco mais complexo, se comparado aos competidores da modalidade SH1 - atletas paraplégicos, com paralisia ligada aos membros inferiores. 
         Normalmente, Rodrigo costuma inclinar o rosto, do lado direito, na arma, e assim que encontra a mira, finaliza o tiro apertando o gatilho, com o dedo esquerdo. Enquanto os atletas classificados na modalidade SH1, apoiam a arma no ombro direito, e com a mão do mesmo lado, acionam o gatilho.

 Rodrigo na mira (by Celina Soares)  
 
Talvez, por ser o mais novo, e o último a entrar na equipe, durante as jogadas, Vitor destaca-se por suas expressões de nervosismo. De forma natural, os momentos em que o atleta analisa o retorno dos tiros – no alvo -, as pontuações costumam ser interpretadas, com muita empolgação, principalmente, quando o tiro não saí conforme o desejado.

Vitor, expressão de inconformado, ao conferir o alvo (by Terumi Oshiro)
Apesar do resultado da fotografia, o atirador cita que umas das vantagens que obteve, com a prática deste esporte, em menos de um ano de  treino, foi o controle das emoções.
Por incrível que pareça, depois que eu passei a treinar, eu aprendi a ter mais paciência. Tenho tentado me controlar. Os tiros me ajudaram a pensar mais no que vou fazer. Nos campeonatos, vi que não adianta eu ficar furioso e confuso, que isso reflete nos tiros. Então, eu procuro esquecer de tudo (dos meus problemas), pelo menos, na hora  dos tiros. Porque senão, não rende. Os tiros saem uma m.... Fora isso, ganhei força nos braços. Até porque, ficar carregando uma arma de cinco quilos, por horas, nos treinos, não tem como não ficar mais forte.”, conclui o entrevistado.

 Vitor, tentando se concentrar (respirando fundo), entre um tiro e outro (by Celina Soares)

sexta-feira, 8 de julho de 2011

“No meio do caminho”

Carlos Drummond de Andrade
“No meio do caminho tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
tinha uma pedra 
no meio do caminho tinha uma pedra. 

Nunca me esquecerei desse acontecimento 
na vida de minhas retinas tão fatigadas. 
Nunca me esquecerei que no meio do caminho 
tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
no meio do caminho tinha uma pedra."



Terumi Oshiro
Domingo, final de tarde, após um passeio no MON (Museu Oscar Niermeyer, ou Museu do Olho, como é mais conhecido), Vitor Klitzke, de 17 anos, decidiu esticar o lazer, e “pegar um cineminha”. Aparentemente, o percurso que Vitor teria fazer para chegar até o Shopping Muller – local onde está localizado o cinema -, era simples. Andando a pé, um pedestre gasta em média dez minutos. O adolescente deixou o museu acompanhado de três jovens, eu (autora), André Belletti e Euzania Gomes.
Ao sairmos do museu pela rampa principal, caminhando pela calçada, na primeira quadra do trajeto, demos de cara com uma fileira de barras de ferro, de aproximadamente 70 cm, fincadas verticalmente no chão. Provavelmente, elas foram implantadas para impedir que os motoristas “espertinhos” invadam a calçada, e cortem caminho para entrar ou sair da instituição. Inconformada com a situação de Vitor, que é cadeirante, decidi assumir a guia da cadeira.

“Você ainda não viu nada!”, exclama o adolescente, dirigindo a palavra para mim (autora).

A saída que encontramos para desviar dos obstáculos, foi andar por um trecho no estacionamento do museu. Para isso, tivemos que nos arriscar na rua, entre os carros que deixavam o local. Ao sairmos do estacionamento, seguimos pela calçada na Rua Marechal Hermes, sentido centro. Após caminharmos o equivalente a uma quadra, optamos por cortar caminho em uma trilha – construída em cima do gramado – próximo ao prédio da Secretária de Turismo do Paraná. Vitor que anteriormente, havia nos narrado os capotes espetaculares – que levou nos últimos dois anos, ao ter de se adaptar a cadeira de rodas -, frustra-se, por não poder se aventurar na pequena rampa.

“Ahaa, se vocês não estivessem aqui... Eu ia descer isso, numa pancada só!”, afirma o adolescente.  


“tinha uma pedra”

Na realidade, Vitor começou a se irritar conosco, desde o passeio no museu, por não podermos acompanhá-lo nas suas aventuras sob as quatro rodas. Diante das galerias vazias, próximo a entrada do museu, ele expressou sua impaciência com as seguintes palavras.

“Eu não posso ver um corredor vazio assim. Sabe por quê?”
“Não.”, respondo eu.
 “A minha vontade, e de sair correndo daqui até ali.”, o personagem indica com a mão direita, uma distância de quase 10 metros.

Voltando ao ponto de partida desta matéria, o trânsito na região do Centro Cívico... Na rotatória, cruzamento das ruas Marechal Hermes e Deputado Mário de Barros fomos obrigados a pensar em uma saída para atravessarmos em segurança. A nossa sorte, é que na frente da rotatória, existe uma bifurcação – triângulo de concreto, construído sobre o afasto, com rampas laterais, ligadas as faixas de pedestre – que serve para auxiliar o trânsito. Apesar de todo esse aparato técnico, confesso que não me senti segura neste trecho em nenhum momento. Primeiro, porque passamos uns 5 minutos esperando os carros cruzarem a rotatória - todos em alta velocidade.
Ao percebemos uma folga nas quatro vias, o suficiente para atravessarmos, decidimos atravessar correndo. No meio fio da bifurcação, nos deparamos com outro obstáculo. As rodas da frente da cadeira emperraram e não conseguíamos sair do lugar. Foi um dos momentos mais tensos da rota. Para completar, um motorista distraído, decidiu atravessar à rotatória correndo. Nessa hora, só me recordo do Vitor tentando assumir a direção da cadeira, agachado com as mãos nas rodas da frente, e da Euzania gritando:

“Vai, vai... Empurra a cadeira que nos dois damos cobertura para vocês.”

Na hora do desespero, tento inclinar a cadeira, e encosto o joelho direito no apoio de costas da cadeira. Mas, Vitor com um grito me alerta do incomodo. Pois ele já passou por uma cirurgia na coluna. Sem saber como reagir, decido seguir as instruções da jovem, e sigo empurrando a cadeira. Até que, em questão de segundos, as rodas voltaram ao normal, e os nossos amigos não precisaram se arriscar na frente dos carros. Mais a diante, já recuperados do susto, Euzania narra o desespero:

“Eu pensei que a gente ia ser atropelada pelos carros. Eles não respeitam os pedestres, parece que vão passar em cima da gente.”

Em frente à Praça Rio Iguaçu, diante do ponto de ônibus, desanimado com os obstáculos já superados, Vitor sugere que a turma desista de seguir o percurso “caminhando”, e use uma condução para chegar até o destino. Porém, após uma rápida avaliação da proposta, acabamos optando por seguir da mesma forma. Uma vez que André conduzia uma bicicleta, e não poderia nos acompanhar na viagem. Sem contar o tempo que levaríamos esperando o ônibus passar.


“no meio do caminho tinha uma pedra”

Mal caminhamos 50 metros, e encontramos o próximo desafio a ser superado. Próximo ao Palácio Iguaçu, diante de outra bifurcação, descobrimos que teríamos de atravessar para o outro lado da rua. Nessa hora, olho para os outros integrantes da turma, e a reação era a mesma. Todos estampavam um leve sorriso no rosto. Enquanto, no fundo, estavam indignados por dentro. Nesta hora, creio que todos nós sentimos um descaso, por parte do planejamento urbano, com os portadores de necessidades especiais. A nossa intenção, era de seguirmos reto, pelo mesmo lado da calçada. Mas, fomos obrigados a atravessar a rua. Pois, estávamos em uma parte rebaixada da calçada, cortada por uma pequena via que não tinha ligação com a próxima calçada, por falta de uma obra de rebaixamento no meio fio. Somente a calçada do outro lado da rua, estava adaptada (sinalizada) para o trânsito de cadeirantes.
Na calçada, em frente à Assembléia Legislativa do Paraná, seguimos os quatro rindo e fazendo piada da situação. Revoltados, já não tínhamos ideia do que nos esperava nas próximas quadras. Talvez, procurando nos conformar, Vitor só nos fazia a seguinte provocação.


“Éeeee. Você ainda só vão andar esse trecho comigo. E eu que tenho que andar todos os dias nessas calçadas “bonitas” de Curitiba? Ainda dizem que é a Cidade Modelo... Não sei onde. Quem diz isso, não anda de cadeira de rodas.”

Ainda na Avenida Cândido de Abreu, após andarmos um quarteirão, na calçada de frente da Assembléia Legislativa, diante da segunda rotatória – que fica na esquina da prefeitura Municipal de Curitiba – descobrimos mais uma falha na calçada. O meio fio deste lado não contém nenhuma rampa de acessibilidade. Tivemos que retornar uns 30 metros e atravessar a rua, e nos dirigir para a calçada do lado da Prefeitura.
O trajeto final, da Prefeitura até o Shopping Muller, digamos até que foi tranquilo, em se tratando de inclinações nos meios fios. Somente na esquina da Rua Senador Xavier da Silva, passamos um pequeno aperto por conta da ausência de rampa no meio fio. Porém, rapidamente, conseguimos solucionar o problema, ao utilizarmos o quebra mola (lombada) como ponte. Tirando o incomodo, de que pararmos o trânsito por alguns segundos, e a cara feia dos motoristas – pois, eles tiveram que nos esperar atravessar -, essa foi a travessia mais confortável que realizamos durante o trajeto.
Para compensar as dificuldades com a ausência de inclinações - no meio fio, do começo da matéria -, neste último trecho, enfrentamos os desníveis das calçadas. A maioria das calçadas da região foram construídas em declives para facilitar a entrada e saída dos automóveis nas garagens. Com isso, era difícil de conduzir a cadeira em linha reta. Volta e meia, o eixo dela se voltava para o lado mais baixo da calçada. Nessas horas, só dava a Euzania tentando nos ajudar a guiar a cadeira. Ela do nosso lado direito, puxava a cadeira pelo braço.  
Para completar, nesse trecho tivemos que superar os famosos buracos das calçadas de Curitiba. Se como pedestre já sentimos na pele, a dificuldade de andar nessas vias, por conta dos buracos e das pedras (que compõem as calçadas) soltas que encontramos ao longo do caminho. Termino esta matéria, complementando a última provocação de Vitor: imagine-se no lugar de um cadeirante, que necessita se locomover nessas calçadas, e volta e meia, se vê diante das adversidades expressadas na poesia de Carlos Drummond de Andrade, “No meio do Caminho”.