sábado, 27 de agosto de 2011

Campeonato de Paciência


Terumi Oshiro  
    
       Sábado de manhã, por volta das 8h:45min, Marcelo Rodrigues estaciona o Monza verde, em uma das vagas do pátio do Clube Santa Mônica, mais exatamente, em frente a entrada da “linha de tiro prático”. Como se fosse uma jogada de equipe, já ensaiada, Marcelo corre em direção à pista de tiro. Para cumprir o acordo que assumira, anteriormente, com Rodrigo Vianna, de ser seu “municiador ou staf” (assistente do atleta, responsável pela troca de alvos e munição, durante a competição).
       Rodrigo, que é atleta de tiro esportivo, explica que nos campeonatos, somente os atletas da modalidade SH2 - tetraplégicos, ou com um dos braços amputados -, que possuem falta de coordenação motora, ou não tem força, em um dos membros superiores, contam com o apoio dos municiadores.

Marcelo na função de municiador
 
       Enquanto, Marcelo acompanha Rodrigo, no estacionamento do clube, o restante da família termina de se preparar para a competição. Antes de descer do carro, observo Edna Pinto (esposa de Marcelo) correndo em direção ao porta-malas, para apanhar a cadeira de rodas do filho, que estava sentado no banco de trás do veículo.
        A transição de Vitor Klitzke, de 17 anos, (enteado de Marcelo, e personagem da crônica anterior) do automóvel para a cadeira acontece rapidamente - que eu de frente à porta do motorista, quase não consigo acompanhar o movimento. De forma, quase automática, o garoto segue em direção ao porta-malas. Com as mãos vasculha o espaço, em busca do uniforme. Enquanto vestia as luvas, Vitor se comunicava com a mãe, que também corria contra o tempo.

“Cadê a arma?”, pergunta o atleta. 
“Já peguei, está aqui comigo. Pega a munição na mala.”, orienta a mãe. 

No uniforme, um detalhe destoa, Vitor usa dois tipos de luvas. Na mão direita, a luva é preta (de dedinhos), típica de esportes radicais. Já na mão esquerda, a luva é branca (de lã), com bolinhas na palma da mão.
Enquanto, círculo pelo clube, para me familiarizar com o ambiente, o adolescente, segue em direção à pista de tiros. Logo na entrada do prédio, ele se depara com uma rampa estreita, que mal comporta a cadeira. No meio da subida, Vitor pára com a intenção de “tomar um ar”, e redirecionar o eixo da cadeira. Nesta hora, decido ajudá-lo. Mas, o garoto recusa, gentilmente: 


Não. Pode deixar! Já estou acostumado.”

        O movimento na porta ao lado, o refeitório da turma, chama a minha atenção. Observo rapidamente, e vejo sob as mesas no centro do salão: algumas caixas de sucos, uma térmica de café, e outra de leite. Além de alguns pedaços de broas caseiras. Entre os que circulavam pelo local, predominava os acompanhantes dos atletas – pais, filhos e cônjuges.


Preparar, apontar...
Entro no espaço reservado as competições. Na primeira sala, à esquerda, conheço a área destinada a modalidade carabina 22. Assim que entro, na pista de tiros, encontro dois atletas deitados no chão, de bruço. A cena  assemelha-se aos cenários de filmes de guerra, onde os soldados se camuflam nas trincheiras. Porém, neste caso, em vez de chão de terra, a pista onde os atletas estavam é emborrachada - pintada na cor verde, e demarcada com listras amarelas – espaço reservado para cada competidor.
Nesta modalidade, a pista de tiro possui 50m, e é dividida em três partes. Sendo que a primeira, é restrita para os atletas dispararem os tiros. O segundo trecho é composto por um gramado (de grama natural). Já na terceira área, é onde fica pendurado os alvos na parede.
Por conta da concentração que o esporte exige e do barulho, o público fica isolado, na parte dos fundos da pista. Em uma espécie de arquibancada, a torcida  acompanha a competição através de um vidro transparente, armado em divisórias, típicas de escritórios e consultórios.

Pista reservada a categoria Carabina Deitada, vista pelo vidro – área destinada ao público 
(by Celina Soares) 
 
Assim que deixo a pista reservada para a modalidade carabina 22 entro na sala usada para a modalidade pistola de ar comprimido. Local, onde estavam competindo, na categoria especial (para-atletas), Vitor, Rodrigo e João Kula. Os três atiradores, dividiam a sala com aproximadamente, sete competidores “padrões” (não portadores de necessidades especiais).

Atiradores, em posição de tiro (by Terumi Oshiro)

Próxima a porta, dou alguns passos, e olhares nervosos em minha direção, denunciam que o barulho do salto incomodava a concentração dos participantes. Assim, mais que depressa, tiro a bota que usava, e começo a transitar descalça, no chão de carpete. Apesar da discrição, evito ficar muito tempo no local. Permaneço, menos de 10 minutos, tempo suficiente para fazer algumas anotações e produzir as fotografias. Infelizmente, a qualidade das imagens foram comprometidas, por conta da baixa iluminação, e a restrição do uso do flash.
Enquanto transito pelo ambiente, que exala adrenalina.  O silêncio predomina no ar. Confesso, que assim que entrei no espaço, a ausência de barulho, é algo que me deixou incomodada. Os únicos ruídos permitidos no local, é a respiração – ora marcada por uma inspiração, mais alta; ora por sinais de irritação (uma pisada, mais forte no chão; murros na parede, e murmurações) Alguns detalhes no desempenho dos atletas, Rodrigo e Vitor, chamam a atenção. 
       Durante o período, que permaneci no local, Rodrigo era o único atleta que disputava na modalidade SH2. Portanto, era o único que contava com um municiador. Outro fator que destaca a participação do atleta, é a postura. Devido a falta de força, no braço direito, durante os tiros, o atleta utiliza uma “mesa” - suporte, acoplada na cadeira de roda, contendo uma mola -, equipamento que o auxilia se posicionar no sentido de ataque. Ou seja, preparar, apontar e disparar "chumbo". 

 Rodrigo com o dedo no gatilho (by Terumi Oshiro)

        Conforme a explicação do entrevistado, por questão de milésimos, o seu processo de disparar tiros, é um pouco mais complexo, se comparado aos competidores da modalidade SH1 - atletas paraplégicos, com paralisia ligada aos membros inferiores. 
         Normalmente, Rodrigo costuma inclinar o rosto, do lado direito, na arma, e assim que encontra a mira, finaliza o tiro apertando o gatilho, com o dedo esquerdo. Enquanto os atletas classificados na modalidade SH1, apoiam a arma no ombro direito, e com a mão do mesmo lado, acionam o gatilho.

 Rodrigo na mira (by Celina Soares)  
 
Talvez, por ser o mais novo, e o último a entrar na equipe, durante as jogadas, Vitor destaca-se por suas expressões de nervosismo. De forma natural, os momentos em que o atleta analisa o retorno dos tiros – no alvo -, as pontuações costumam ser interpretadas, com muita empolgação, principalmente, quando o tiro não saí conforme o desejado.

Vitor, expressão de inconformado, ao conferir o alvo (by Terumi Oshiro)
Apesar do resultado da fotografia, o atirador cita que umas das vantagens que obteve, com a prática deste esporte, em menos de um ano de  treino, foi o controle das emoções.
Por incrível que pareça, depois que eu passei a treinar, eu aprendi a ter mais paciência. Tenho tentado me controlar. Os tiros me ajudaram a pensar mais no que vou fazer. Nos campeonatos, vi que não adianta eu ficar furioso e confuso, que isso reflete nos tiros. Então, eu procuro esquecer de tudo (dos meus problemas), pelo menos, na hora  dos tiros. Porque senão, não rende. Os tiros saem uma m.... Fora isso, ganhei força nos braços. Até porque, ficar carregando uma arma de cinco quilos, por horas, nos treinos, não tem como não ficar mais forte.”, conclui o entrevistado.

 Vitor, tentando se concentrar (respirando fundo), entre um tiro e outro (by Celina Soares)

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